A infidelidade é um tema que, para muitas pessoas, envolve uma mescla de mistério, sofrimento e, por vezes, uma surpreendente oportunidade de autoconhecimento. Neste artigo, a psicóloga especializada em Intervenção Sistémica Individual e com Casais, Adriana Bugalho partilha connosco as múltiplas facetas da traição – desde a perspetiva de quem trai até à dor devastadora de quem é traído – sempre com a honestidade e a profundidade que caracterizam a sua prática clínica.
Histórias de Infidelidade: Aventuras Passageiras e Transformações Profundas
Em sessão, Adriana ouve diariamente histórias que, embora rotuladas pela mesma palavra – “traição” – têm significados totalmente diferentes.
“Nunca pensei que isto me pudesse acontecer”
“Sinto-me uma pessoa completamente diferente com esta pessoa, e isso assusta-me”
“Não sabia que se podia sentir amor desta maneira”
Segundo a psicóloga, há casos em que a infidelidade é vivida como uma simples aventura, sem maiores implicações, e outros em que se torna uma espécie de poesia, um bálsamo que permite experienciar um amor inesperadamente intenso. Estas histórias demonstram que, por detrás do ato de trair, existem motivações e emoções singulares, que variam consoante o contexto e a personalidade de cada um.
O Impacto Emocional e Psicológico da Traição
A descoberta da infidelidade coloca em causa aquilo que pensávamos ser a nossa verdade interior. Adriana explica que a traição mexe com a identidade e o valor próprio, tanto para quem trai quanto para quem é traído.
“Porquê a mim? O que é que ele tem que eu não tenho? Não sou suficiente para ti?”
Para quem trai, o ato raramente resulta de uma decisão tomada em plena convicção; é, na verdade, o reflexo de um profundo debate interno, onde a moral, as convicções e as convenções sociais se confrontam.
“Quem trai não está na maior, muitas vezes está no profundo sofrimento...”
Assim, o sofrimento e a vergonha aparecem, sobretudo quando a relação “oficial” é, pelo menos, medianamente satisfatória. A vergonha e o medo de julgamento fazem com que muitos se aventurem silenciosamente para a terapia, numa tentativa de compreender e, eventualmente, resgatar partes esquecidas de si mesmos.
Perspetivas Contrastantes: O Traidor e o Traído
Adriana distingue com clareza os efeitos da traição nas duas partes envolvidas. Para a pessoa traída, o impacto é muitas vezes devastador:
“Aquele ‘porquê a mim?’ ecoa na mente e abala o valor próprio.”
A confiança abalada e as dúvidas acerca do próprio valor levam a uma dor profunda, que se reflete não só na autoestima, mas também na intimidade e na capacidade de voltar a confiar noutra relação. Para quem trai, o processo interno é igualmente doloroso, ainda que menos visível. A terapeuta afirma que, mesmo quando se sente uma forte ligação a outra pessoa, o dilema interno e o sofrimento podem ser intensos, sobretudo se a traição ocorrer dentro de um contexto onde, aparentemente, tudo corre bem.
O Que a Infidelidade Revela Sobre as Relações
Contrariamente à ideia de que a traição surge apenas quando a relação está “morta”, Adriana recorda:
“Muitas vezes, a infidelidade não surge porque a relação está morta, mas porque há aspetos de si mesma que a pessoa já não vive na relação principal.”
Para a psicóloga, este fenómeno pode ser visto como uma tentativa de redescoberta – de explorar partes da nossa personalidade que se encontram adormecidas. Inspirada, ainda, pelas ideias da terapeuta Esther Perel, Adriana sublinha que mesmo os casais felizes podem experienciar a traição, na busca por esse mistério e expansão pessoal que, por vezes, falta no quotidiano.
Caminhos para a Reconstrução e a Renovação
Diante de um dilema tão complexo, a primeira recomendação de Adriana é a introspeção:
“É preciso parar. As pessoas têm pouco tempo para olhar para elas próprias. Para quem são, para quem foram. Para o que nelas mudou.”
Na reconstrução após a descoberta da traição, a psicóloga assinala duas fases distintas: a exploração dos factos e a investigação dos motivos e do significado da traição. É também nesta fase que se distingue o impacto da traição em situações que envolvem apenas o sexo daqueles que traem, em contraste com os casos em que existe um envolvimento emocional profundo, onde o dano se revela maior e mais difícil de reparar.
Quanto à resolução do dilema, Adriana aconselha a abertura e o diálogo transparente. A terapia de casal torna-se, assim, um espaço essencial para trabalhar as barreiras e os obstáculos que se interpõem na relação:
“Sempre que o casal queira estar, de facto, naquela relação e sinta que existem obstáculos que não estão a conseguir ultrapassar sozinhos.”
O caminho para a superação passa, igualmente, por acolher a culpa e a incerteza, transformando a culpa – tão enraizada em valores morais ultrapassados – num impulso para a responsabilidade e o crescimento pessoal.
Sociedade e Ideais Românticos
A forma como a sociedade julga a infidelidade, sobretudo em função do género, revela preconceitos enraizados.
– Os homens e as mulheres são tratados de forma abissalmente diferente – assinala Adriana –, com a mulher muitas vezes sendo rotulada de “oferecida” ou até de “vadia”, enquanto ao homem se dá uma desculpa ou se o diminui com comentários como “um homem não é de ferro”.
Além disso, os ideais românticos que nos foram incutidos desde cedo, de amores eternos e de devoção incondicional, criam expectativas que, muitas vezes, não correspondem à realidade das relações humanas. Esta dicotomia entre o ideal e o real pode aumentar o impacto emocional da traição e intensificar a necessidade de repensar o que significa ser fiel – tanto a si mesmo como ao outro.
Entre a Dor e a Transformação
A conversa com Adriana Bugalho revela que a infidelidade, seja vivida por quem trai ou por quem é traído, é um fenómeno carregado de contradições. Para uns, pode significar a descoberta de um novo eu, para outros, um profundo abalo na sua identidade e autoestima. No entanto, o processo de compreensão e reconstrução, embora doloroso, é também uma oportunidade para repensar e renovar a forma como vivemos o amor e a fidelidade.
Mamacita, se te encontras num momento de incerteza ou sofrimento por causa de uma traição, lembra-te que, apesar de toda a dor, há sempre espaço para a redescoberta e para a transformação. A honestidade contigo mesma, o diálogo aberto e, quando necessário, a ajuda profissional, são os primeiros passos para reencontrar o teu equilíbrio e construir relações mais autênticas.
Este artigo é um convite para refletir sobre o que realmente desejas na vida e no amor. Juntas, vamos fazer deste, um espaço onde cada história, por mais complexa que seja, se transforma numa oportunidade de crescimento e renovação.