As relações tóxicas são um tema cada vez mais debatido, mas ainda envolto em muitas dúvidas e receios. Para compreender melhor este fenómeno e aprender a identificá-lo, lidar com ele e superá-lo, entrevistámos a psicóloga Adriana Bugalho, especialista em saúde mental e relações interpessoais. Com uma abordagem prática e fundamentada, esta conversa pretende servir de guia para quem procura esclarecimento e apoio.

Compreender as Relações Tóxicas

O que caracteriza uma relação tóxica?

Adriana Bugalho [A.D.] - O primeiro sinal é um grande desequilíbrio de poder, em que uma só pessoa domina e subjuga a outra. São comuns comportamentos persistentes de manipulação, que podem surgir de uma aparente dependência emocional: "preciso tanto de ti que por isso faço isto". Outra característica é a oscilação entre momentos de grande intensidade emocional positiva e episódios de abuso ou desvalorização. O parceiro vê-se privado do seu espaço e identidade, vivendo em função do outro. Pessoas com comportamentos tóxicos são egocêntricas, sedutoras e dominantes, colocando-se sempre no centro das prioridades e impondo as suas regras.

Quais são os sinais mais comuns de abuso psicológico ou emocional?

A.D. - A vítima sente uma constante dúvida sobre si mesma – sobre o que faz, diz e sente. Experiencia oscilações de humor intensas, um mal-estar permanente e isolamento da sua rede social e familiar. Muitas vezes, torna-se irreconhecível para os que lhe são próximos. Ao contrário do que se pensa, não são apenas pessoas "frágeis" que podem ser manipuladas e permanecer em relações tóxicas.

Existem padrões comportamentais que tornam uma pessoa mais suscetível a envolver-se em relações tóxicas?

A.D. - Sim. Pessoas cuidadoras, que colocam sempre os outros em primeiro lugar, estão mais vulneráveis. Existe um "match perfeito" entre quem exige atenção constante e quem tem por natureza a necessidade de dar e cuidar. Estas pessoas são frequentemente empáticas e acreditam que "o amor cura tudo", esgotando-se na tentativa de "reparar" o outro.

Impacto na Saúde Mental e Emocional

Quais são os efeitos psicológicos a curto e longo prazo de uma relação tóxica?

A.D. - Os efeitos são avassaladores. A confiança na própria intuição e percepção fica abalada, gerando dúvidas constantes sobre o que se sente e pensa. O isolamento é outro fator crítico: a vítima passa a viver numa bolha, onde a outra pessoa cria a narrativa de que "ninguém mais se importa verdadeiramente".

Como estas relações afetam a auto-estima e a capacidade de confiar nos outros?

A.D. - A perda de confiança é total. Muitas vítimas, após saírem da relação, questionam-se: "Como é que não vi?". Sentem-se inseguras sobre o seu julgamento e temem não reconhecer sinais de perigo no futuro. Algumas tornam-se frias ou distantes, desenvolvendo um medo excessivo da proximidade e do envolvimento emocional. A recuperação exige paciência, terapia e uma rede de suporte sólida.

Reconhecer e Agir

Como uma pessoa pode perceber que está numa relação tóxica?

A.D. - As suas opiniões são sistematicamente desvalorizadas; As suas necessidades são ignoradas em prol do outro; Duvída frequentemente das suas decisões e sentimentos; Vive uma oscilação constante entre conflitos e "love bombing"; A outra pessoa nunca assume responsabilidade pelos seus atos; Isolamento progressivo dos amigos e familiares.

Que conselhos daria a quem sente que está preso numa relação deste tipo?

A.D. - Preservar a rede de suporte é essencial. Conversar sobre as dúvidas e emoções, sem receio de ser julgado, é um passo importante. Se a rede for fraca ou inexistente, procurar apoio terapêutico pode ser fundamental.

Superar e Recuperar

Que passos iniciais recomenda para quem quer sair de uma relação tóxica?

A.D. - O primeiro passo é procurar psicoterapia para reconstruir a autoestima e desenvolver forças para romper com o ciclo abusivo. Reaprender a confiar na própria percepção e reestabelecer vínculos saudáveis são essenciais.

Existe um tempo "normal" para se recuperar de uma relação tóxica?

A.D. - O tempo de recuperação varia. Depende do impacto emocional da relação e das experiências anteriores. Para muitas pessoas, o processo leva pelo menos um ano.

Prevenção e Educação

Que estratégias podem ser implementadas para prevenir a entrada em relações tóxicas?

A.D. - Observar padrões comportamentais, como egocentrismo excessivo, dificuldade em ouvir o outro e tentativa de isolamento. Avaliar o histórico de relações da pessoa também pode ser revelador.

Esta entrevista visa desmistificar as relações tóxicas, promover o autocuidado e divulgar ferramentas práticas para lidar com estas situações. Agradecemos à Adriana Bugalho pela partilha de conhecimento e apoio nesta temática essencial.

Linhas de Apoio:

APAV – Apoio à Vítima: 116 006 (Chamada gratuita – Dias úteis, 8h às 23h)

SOS Voz Amiga: 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660 (Diariamente das 15h30 às 00h30)

UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta: 218 873 005

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